quarta-feira, 6 de maio de 2015



Creio que todos que gostam muito de literatura já experimentaram a frustração de não conseguir levar uma leitura adiante: você se vê empacado nas mesmas páginas por dias até se dar conta de que não adianta insistir. A leitura começa a ficar sofrida, sinal de parar.

Passei por essa experiência recentemente com “A Colher que Desaparece” de Sam Kean. Não-ficção é um dos meus estilos literários preferidos, falando de história da ciência então, sou fisgada na hora.  Logo na capa do livro está escrito “E outras histórias reais de loucura, amor e morte a partir dos elementos químicos”. O que me fez pensar que seria um livro que focaria na parte humana da história por trás da descoberta dos elementos químicos e da construção da tabela periódica. No site da editora que lançou a obra no Brasil, a Zahar, há também uma sinopse que faz o livro parecer ainda mais legal.

Eis que já nas primeiras páginas Sam me despeja uma tonelada de conteúdo sobre química,  que parte está em algum lugar escondido do meu cérebro de “pessoa de humanas”. De início achei que seria uma ótima oportunidade para desenterrar essas informações da minha mente e finalmente conseguir entender, mesmo que superficialmente, conceitos fracos na minha formação escolar. Tive apenas um professor de química realmente bom, no primeiro ano do ensino médio, que infelizmente trabalhou com a minha turma por pouco tempo. Pra quem não nasceu pra “exatas” e teve uma base muito ruim (minha professora de matemática dos primeiros anos do ensino fundamental era péssima) ter tido professores de química displicentes não facilitou em nada.

No entanto, Kean não escreveu o livro para pessoas como eu. Para quem gosta de química o conteúdo abordado pelo autor pode parecer muito simples. Só que a obra não é vendida como algo para quem lembra bem das aulas do colégio ou tem formação na área. A descrição feita para promovê-lo me fez pensar que era algo na linha de “A vida Imortal de Henrietta Lacks” (de Rebecca Skloot), por exemplo. Ou como “O Imperador de todos os males – Uma biografia do câncer” (de Siddhartha Mukherjee), livro também escrito por alguém que não é jornalista e usa de história humana para falar de um tema tão complexo.

Mesmo com um começo difícil dei uma chance ao livro pensando que aquilo seria penas uma introdução. Uma forma de situar melhor os leitores, principalmente aqueles como eu. Porém, Kean só dá um gostinho do que a obra prometia ser e volta a fazer seu próprio livro (nem tão) didático de química. Me senti em uma aula de ensino médio que não acabaria nunca. O texto não é atrativo, é cansativo.

Quando vi que Sam não é jornalista compreendi um pouco da dificuldade em fazer do assunto algo acessível e sedutor e em se desprender um pouco das aulas de química. Não que para fazer um bom livro deste tipo seja imprescindível ser jornalista. Mas é necessário pensar um pouco como um. É o caso de Siddhartha Mukherjee, médico oncologista. Sua “biografia” do câncer ganhou um Pulitzer. Ele conseguiu explicar todos os mecanismos químicos/biológicos do câncer com muita clareza, mesclando as informações mais “técnicas” com a parte histórica e humana. Era isso que eu esperava de “A Colher que Desaparece”. O pior é que Kean tem outros livros que prometem a mesma coisa, com temas muito interessantes. Ainda quero dar uma nova chance ao autor, mas já não tenho expectativas tão boas. 

quinta-feira, 26 de março de 2015



Anda não fiz as resenhas dos últimos cinco livros que li, mas “Festa no Covil” me surpreendeu tanto que não consegui me segurar. O romance de estréia de Juan Pablo Villalobos tem uma temática que costuma me fisgar, mas confesso que imaginava que o texto poderia cair no clima pesado intrínseco ao assunto e acabar sendo cansativo, massante. 

Narrado pelo filho de um poderoso narcotraficante mexicano, conhecido como “El Rey”, o livro consegue mostrar a intimidade suja deste universo com sutiliza. Sútil, mas ao final um pouco assustador, principalmente quando se imagina que o garoto (Tochtli), narrador-personagem, parece ter no máximo dez anos de idade.

Tochtli vive isolado pela paranóia do pai em seu “palácio” cheio de quartos, com direito à um mini-zoológico nos moldes de Pablo Escobar. Sem mãe e sem amigos, o menino só tem a companhia dos empregados da casa e de seu professor particular. A história toda poderia ser resumida como a narrativa de Tochtli de sua busca por um hipopótamo anão da Libéria. O garoto conta como faz para conseguir seu capricho utilizando as palavras “pulcro, sórdido, nefasto, patético e fulminante” diversas vezes. Palavras que se encaixam perfeitamente em seu mundo limitado.

Apesar de se dizer precoce, machão e tão valente quanto um samurai, o menino também acaba mostrando sua incompreensão diante de seu cotidiano tão peculiar. Assassinatos, armas, muitas jóias, dinheiro, visitas de políticos, pessoas desaparecendo. E ao mesmo tempo que não entende, Tochtli finge participar de tudo com naturalidade através de suas observações e comentários irônicos e suas brincadeiras, colecionando chapéus, vendo filmes, sonhando. De uma inocência fulminante.

quarta-feira, 27 de agosto de 2014


Para quem não conhece o Skoob é uma rede social de livros. Lá existe um serviço chamado “Plus”, que permite a troca de livros. Já faz tempo que estou no Skoob, mas nunca havia tentado realizar uma troca. Você pode indicar quais livros que possui que aceita trocar. Mas, a troca não precisa ser feita necessariamente com a pessoa que se interessou pelo seu livro. Ao enviar um livro para alguém você ganha crédito para pedir um livro também. É possível ainda adquirir crédito pagando cerca de R$19.

Porém, o legal é trocar realmente. Estes dias um rapaz do interior de São Paulo solicitou um dos livros que disponibilizei para troca no Skoob. Aceitei a troca e enviei o livro, assim que ele recebeu o pedido confirmou no site, o que liberou meu crédito para solicitar um também. Então, procurei no Skoob os livros que desejo e encontrei um dos deles disponível por uma garota da Bahia. Fiz o pedido e ela o enviou. Simples assim.


O sistema é muito bacana e fico me perguntando por que não fiz isso antes. Indico também que o legal é enviar uma mensagem para a pessoa antes de realizar o pedido do livro, só para confirmar se ela realmente deseja ou pode realizar a troca. 

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Souto Maior e seu livro (foto de Liliane Cardoso)


Um tema que sempre evito discutir é religião. Como na velha frase em que se diz que futebol e política também não se discutem. Mas, resolvi que iria sim escrever a resenha da biografia “Kardec”, escrita pelo jornalista Miguel Souto Maior, o mesmo da biografia de Chico Xavier. Para começar acho que devo esclarecer que sou espírita, nasci em uma família espírita e já sou a terceira geração a seguir a doutrina. Portanto, não há como isso não influenciar em nada minha avaliação do livro.

“Kardec”, como o nome sugere, conta a história de vida do frances fundador da doutrina espírita, Hippolyte Léon Denizard Rivail, conhecido por seu pseudônimo, Allan Kardec. Souto Maior organizou o livro em pequenos capítulos, o que faz com que a leitura flua melhor, mas tanto causa um pouco de impaciência. Essa impaciência é alimentada também pelo grande número de capítulos que abordam detalhes de relevância questionável.

É neste detalhes que o autor acaba destilando um pouco de sua visão, que ele faz questão de lembrar que tenta direcionar à imparcialidade, como bom jornalista. Porém, sabemos que a total imparcialidade é um mito e seu texto denuncia sua visão levemente desdenhosa em alguns rápidos momentos, principalmente quando arrisca falar sobre a prática da doutrina. Apesar disto, o autor conta a trajetória de Kardec de forma respeitosa. Ressalta diversas vezes a força do caráter do fundador do espiritismo. Um homem sério, vindo da ciência, educador apaixonado e de postura impecável.

Para quem não conhece a doutrina pode ser revelador conhecer seu nascimento. A visão e a conduta de Kardec esclarecem muito o que o espiritismo realmente é. Para os que já conhecem a doutrina, a história pode resgatar muitos princípios que vem se perdendo no meio espírita.

A narrativa começa no primeiro contato de Kardec com o “outro mundo”, quando em sua curiosidade de investigador científico, o professor Rivail vai à uma sessão das famosas mesas girantes. A experiência instiga e fascina o professor, que começa uma criteriosa pesquisa sobre o fenômeno. A partir daí surgem os cinco livros que até hoje são a essência teórica da doutrina. E, claro, esse “nascimento” ocorreu cheio de obstáculos e perseguições.


O texto é bastante acessível, e como já disse, os muitos pequenos capítulos tem sua vantagem e desvantagem. E apesar do incomodo que certas “alfinetadas” do autor me causaram, no geral vejo o livro como mais prova da integridade de Kardec e da alma da doutrina.  

segunda-feira, 23 de junho de 2014


Em “A Confissão da Leoa”, Mia Couto nos leva, mais uma vez, para o misterioso mundo situado entre o real e o fantástico. Neste caso, quem serve de palco para essa mistura é uma pequena e distante aldeia moçambicana aonde ataques de leões vem se tornando cada vez mais frequentes. No centro do problema estão os dois personagens que narram a história. O caçador Arcanjo Baleiro, contratado para matar os leões que rondam o local. E Mariamar, uma jovem e humilde moradora da aldeia que teve uma de suas irmãs morta por um leão.

Duas narrativas diferentes saem destes dois personagens também muito diferentes. Arcanjo, inicialmente uma figura de força e razão, vai aos poucos mostrando um verdadeiro poço de emoções e sentimentos. Mariamar, aparentemente  frágil,  dramática e sonhadora, traz uma incrível lucidez carregada de simbolismos.

A história toda é simples e sem as divagações dos narradores poderia ser ainda menor. Acredito que mesmo “dividindo” o texto entre um homem e uma mulher, Couto quis tocar especialmente a alma feminina. Ela é o centro de tudo. Com as limitações de homem querendo descrever sentimentos na visão de uma mulher, o autor consegue alcançar um pouco do peso que mulheres tão cheias de sofrimento, como Mariamar, carregam.

O final do livro é desses que chega de repente e te deixa sem reação. Mas, também te faz pensar em todos os significados que aquela mistura de prosa poética com emoções exacerbadas e, claro, um bom toque do imaginário folclórico africano possuem.

Separei algumas frases do livro que me marcaram, foram muitas.

“Quanto mais vazia a vida, mas ela é habitada por aqueles que já foram: os exilados, os loucos, os falecidos.”

“As ossadas são a nossa única eternidade. Vai-se o corpo, esmorecem as lembranças. Restam os ossos para sempre.”

“Só os humanos sabem do silêncio. Para os demais bichos, o mundo nunca está calado e até o crescer das ervas e o desabrochar das pétalas fazem um enorme barulho.”

“As dores passam, mas não desaparecem. Elas migram para dentro de nós, alojam-se algures no nosso ser, submersas num fundo de lago.”

“Ninguém pede mais a atenção de uma mãe que um filho morto.”

“Morrer na água é um regresso.”

terça-feira, 29 de abril de 2014


Resolvi disponibilizar aqui para vocês os livros digitais que possuo, ainda não terminei de fazer o upload de tudo. Separei entre dois formatos: EPUB e PDF. Lembrando que através de programas como o "Calibre" é possível converter os formatos

Arrais Book Review free ebooks

Segue também uma lista de sites e links que também possuem ebooks para download gratuito:

http://liberdadedeler.blogspot.com.br/p/indice-literario.html

http://minhateca.com.br/kraussonline/Documentos/EPUB

http://oficinasociologica.blogspot.com.br/2012/04/mais-de-500-livros-para-voce-baixar.html

http://portugues.free-ebooks.net/

https://www.dropbox.com/sh/3cytybn2pgvd33w/ifsnvmAtS9

http://livroemepub.blogspot.com.br/p/arquivos-do-blog.html

http://lelivros.us/

https://www.dropbox.com/sh/wblr79etq20g8xg/99lnV1bGtg  (só em inglês)

https://drive.google.com/folderview?id=0B-a-cTB9M9g9eUZyQmxwVm5UNEE&usp=sharing

https://www.dropbox.com/sh/yln0ie91wknmuca/AAC0GdZEDxq4O5IoMJHOG7Gpa

Conforme eu for achando novos links bons vou atualizando aqui.





sábado, 26 de abril de 2014


Existem muitos capítulos importantes da história que são desconhecidos da maioria das pessoas. A trajetória do Hospital Colônia de Barbacena (MG) é um desses capítulos quase esquecidos. O que a jornalista Daniela Arbex faz em “Holocausto brasileiro” é resgatar a história de horror vivida naquele lugar.

Fundado em 1903, o gigantesco complexo de vários pavilhões abrigou milhares de homens, mulheres e crianças vindos de todo o país até o começo da última década, quando realmente teve início seu processo de desativação. É de conhecimento geral que até pouco tempo os hospitais psiquiátricos, em sua maioria e principalmente os públicos, eram o pior lugar em que uma pessoa poderia ficar. Histórias de maus-tratos, abusos e torturas como os famosos choques elétricos não são novidade. No entanto, o que aconteceu em Barbacena ultrapassou o que a maior parte da população poderia imaginar. É do enorme horror ocorrido no Colônia que se justifica a comparação com o holocausto promovido pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial. Ao todo, se estima que cerca de 60 mil pessoas morreram no local.

Com muita delicadeza Daniela usa relatos individuais para contar esta história. Com seu texto jornalístico, a autora consegue prender a atenção do leitor sem cansar, a leitura flui com facilidade e leveza. Quando você se dá conta já está quase terminando o livro. Através do ponto de vista de pacientes e funcionários conseguimos sentir um pouco da angustia e da desolação de quem presenciou o inferno e de quem viveu o absurdo. Não há como não se emocionar, como não marejar os olhos com tamanha tristeza. Não há como não se chocar, se indignar.

A imagem de dezenas de pessoas esquálidas, nuas ou semi-nuas, vagando como zumbis em um grande pátio com esgoto à céu aberto parece cena de filme com enredo pós-apocalíptico. Para este cenário foram enviados não só os que realmente apresentavam sinais de doenças mentais, muitos foram trancafiados no lugar sem motivo algum. Homossexuais, dependentes químicos, deficientes físicos, militantes políticos e qualquer tipo que pudesse incomodar alguém ou a sociedade. Pessoas condenadas pelos mais absurdos motivos. O homem enviado ao Colônia por ter bebido e se envolvido em briga, o garoto que era tímido, a moça com diagnóstico de “tristeza”, a esposa que incomodou o marido, a adolescente grávida de um estupro. Muitos chegavam ao lugar em trens, como os judeus chegavam aos campos de concentração. Eram entregues à sujeira, à falta de higiene, ao frio, à comida fraca e ruim que mais se parecia com lavagem de porco, dormindo em cima de capim ou no piso de cimento. Ficavam à mercê de todo tipo de abuso e violência. Castigados com a solidão, o descaso, com eletrochoques ou banhos gelados . Deixados para morrer lentamente e serem enterrados como indigentes. Depois de abrigados ao trabalho escravo ainda podiam ter seus corpos vendidos à faculdades de medicina.

Com este ótimo trabalho de resgate, Daniela traz à tona não só a reflexão sobre um passado obscuro ou do tratamento psiquiátrico moderno. Ela nos faz pensar em outros holocaustos. Aqueles pelos quais passam negros, pobres e outras “minorias”. Afinal, nós ainda segregamos e oprimimos aqueles que julgamos diferentes, aqueles que nos incomodam.

Finalizando a resenha deixo vocês com o documentário "Em nome da razão - Um filme sobre os porões da loucura" (1979). Primeiro a mostrar a realidade do Colônia e que ajudou na luta pelo fechamento do local.