Existem muitos capítulos importantes da história que são desconhecidos da maioria das pessoas. A trajetória do Hospital Colônia de Barbacena (MG) é um desses capítulos quase esquecidos. O que a jornalista Daniela Arbex faz em “Holocausto brasileiro” é resgatar a história de horror vivida naquele lugar.

Fundado em 1903, o gigantesco complexo de vários pavilhões abrigou milhares de homens, mulheres e crianças vindos de todo o país até o começo da última década, quando realmente teve início seu processo de desativação. É de conhecimento geral que até pouco tempo os hospitais psiquiátricos, em sua maioria e principalmente os públicos, eram o pior lugar em que uma pessoa poderia ficar. Histórias de maus-tratos, abusos e torturas como os famosos choques elétricos não são novidade. No entanto, o que aconteceu em Barbacena ultrapassou o que a maior parte da população poderia imaginar. É do enorme horror ocorrido no Colônia que se justifica a comparação com o holocausto promovido pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial. Ao todo, se estima que cerca de 60 mil pessoas morreram no local.

Com muita delicadeza Daniela usa relatos individuais para contar esta história. Com seu texto jornalístico, a autora consegue prender a atenção do leitor sem cansar, a leitura flui com facilidade e leveza. Quando você se dá conta já está quase terminando o livro. Através do ponto de vista de pacientes e funcionários conseguimos sentir um pouco da angustia e da desolação de quem presenciou o inferno e de quem viveu o absurdo. Não há como não se emocionar, como não marejar os olhos com tamanha tristeza. Não há como não se chocar, se indignar.

A imagem de dezenas de pessoas esquálidas, nuas ou semi-nuas, vagando como zumbis em um grande pátio com esgoto à céu aberto parece cena de filme com enredo pós-apocalíptico. Para este cenário foram enviados não só os que realmente apresentavam sinais de doenças mentais, muitos foram trancafiados no lugar sem motivo algum. Homossexuais, dependentes químicos, deficientes físicos, militantes políticos e qualquer tipo que pudesse incomodar alguém ou a sociedade. Pessoas condenadas pelos mais absurdos motivos. O homem enviado ao Colônia por ter bebido e se envolvido em briga, o garoto que era tímido, a moça com diagnóstico de “tristeza”, a esposa que incomodou o marido, a adolescente grávida de um estupro. Muitos chegavam ao lugar em trens, como os judeus chegavam aos campos de concentração. Eram entregues à sujeira, à falta de higiene, ao frio, à comida fraca e ruim que mais se parecia com lavagem de porco, dormindo em cima de capim ou no piso de cimento. Ficavam à mercê de todo tipo de abuso e violência. Castigados com a solidão, o descaso, com eletrochoques ou banhos gelados . Deixados para morrer lentamente e serem enterrados como indigentes. Depois de abrigados ao trabalho escravo ainda podiam ter seus corpos vendidos à faculdades de medicina.

Com este ótimo trabalho de resgate, Daniela traz à tona não só a reflexão sobre um passado obscuro ou do tratamento psiquiátrico moderno. Ela nos faz pensar em outros holocaustos. Aqueles pelos quais passam negros, pobres e outras “minorias”. Afinal, nós ainda segregamos e oprimimos aqueles que julgamos diferentes, aqueles que nos incomodam.

Finalizando a resenha deixo vocês com o documentário "Em nome da razão - Um filme sobre os porões da loucura" (1979). Primeiro a mostrar a realidade do Colônia e que ajudou na luta pelo fechamento do local.