Intriga e sedução na Alemanha de Hitler

O jornalista Erik Larson conta de forma instigante os primeiros tempos da Alemanha governada por Hitler através dos olhos de Willian E. Dodd e sua família, principalmente a filha Martha. Dodd, um professor de história da Universidade de Chicago, 64 anos, casado com Martha (Mattie), com uma filha de 24 também chamada Martha e um filho de 28, Willian Jr. (Bill), foi inesperadamente escolhido para assumir o cargo de embaixador norte-americano na Alemanha, chegando ao país em julho de 1933. A partir daí cartas oficiais, pessoais e diários são utilizados para reconstruir a difícil adaptação da família em Berlim até deixarem o país em 1938, às vésperas da guerra.

Um homem simples e modesto, Dodd era um ferrenho defensor da democracia norte-americana e do pensamento jeffersoniano, claramente sua indicação para o cargo foi totalmente inusitada, ocorrida por um acaso, depois de diversos candidatos considerados “mais adequados” recusarem a proposta. Com isso, Dodd já chega à Alemanha com um belo grupo de opositores no país e nos Estados Unidos. O autor o define como “diplomata por acidente”.

A narrativa toda se dá, em sua maior parte, pelo o que Larson encontrou nas cartas e nos diários de Dodd e de sua filha Martha, mas também nos escritos de outros funcionários do governo americano, de alguns nazistas e de amigos da família. É muito impressionante a riqueza de detalhes que o autor consegue proporcionar, deixando evidente que sua pesquisa foi minuciosa e atenciosa.

Basicamente o que nos é contada é a lenta submersão da Alemanha na histeria e no horror do nazismo. De início os Dodd ficam encantados com a calma e o charme de Berlim e seu povo simpático. Principalmente Martha, uma mulher à frente de seu tempo, que em uma época onde as mulheres ainda intensamente reprimidas exercia sua sexualidade com liberdade. Com os diversos romances da jovem podemos conhecer um pouco do íntimo de diversas figuras do nazismo.

A Alemanha não se parecia com o terror contado nos jornais norte-americanos, mas aos poucos os Dodd vão conhecendo o verdadeiro nazismo e percebendo as verdadeiras intensões de Hitler. Os frequentes casos de agressões e execuções de judeus e de opositores do regime são os primeiros exemplos. As intrigas entre os nazistas são outro destaque, mostrando que, pelos menos nos primeiros tempos, estavam longe de uma unidade. As brigas e conspirações são reveladas em toda a sua crueldade, assim como o modo com que Hitler foi aos poucos eliminando todos os aliados que pudessem futuramente se voltar contra ele. Culminando no massacre conhecido como “A Noite Das Facas Longas”, ocorrido entre 30 de junho e 1 de julho de 1934, quando Hitler caçou todos os membros das AS (Tropas de Assalto) que ele acreditava estarem tramando contra seu governo.

Dodd aos poucos vai se opondo cada vez mais ao regime publicamente, o que enfraquece ainda mais sua reputação dentro e fora do país. O embaixador tenta por diversas vezes alertar o governo estadunidense de que a situação na Alemanha perderia o controle e se tornaria um problema mundial, que os nazistas planejavam uma guerra. Porém, Dodd foi veementemente ignorado e rebaixado pela maioria de seus “colegas”, até por fim ser retirado do cargo no final de 1938.

Posso dizer que estou fascinada pela obra de Larson, ainda mais pelo brilhantismo de sua construção. A linguagem é leve e cativante, raramente se encontra um livro rico em detalhes que não seja cansativo. Vou levar como inspiração na minha vida de jornalista.  É também chocante ver um povo inteiro ser levado à loucura por um governo ditatorial, uma nação ser envolta em clima de fanatismo e ódio, fazendo os apoiar os atos mais cruéis e horrendos que terminaram em uma das piores guerras já criadas pelo homem. É surreal, na melhor definição que consegui encontrar. Acredito que neste livro Erik fez justiça à memória de Dodd, um homem que foi “um farol solitário da liberdade e da esperança americanas numa terra onde as trevas se avolumavam”.