Quando adoeceu, no final da década de 1940, Henrrieta Lacks provavelmente não sabia o que era uma célula. A bela jovem descendente de escravos se dividia entre o trabalho na plantação de tabaco e a criação dos cinco filhos. Vivia com humildade na pequena Baltimore, nos Estados Unidos. Também desconhecia os mecanismos da enfermidade mais temida pela sociedade, o câncer. Câncer que se tornou a causa de sua morte prematura em 1951.
Aquela época era marcada pela intensa segregação racial norte-americana. Henrrieta só teve a oportunidade de procurar tratamento no Hospital Jhons Hopkins, dedicado ao atendimento de pacientes pobres e negros. Em alas separadas exclusivamente para “pessoas de cor”, a jovem Henrrieta, com então 30 anos, foi diagnosticada com um tumor cervical. Começa então uma jornada sacrificante de internações e sessões dolorosas de radioterapia.
Porém, o câncer de Henrrieta foi mais forte que sua vontade de viver. Em 4 de outubro de 1951, ela partiu deixando o marido e cinco filhos, sendo que os dois últimos ainda eram quase bebês. Esta seria somente a triste história de uma humilde mãe levada por um terrível câncer, assim como tantos outros casos, se Henrrieta não houvesse alcançado a imortalidade. Ou melhor, as células de Henrrieta alcançaram a imortalidade.
Uma amostra de seu tumor foi doada para o Doutor George Gey, que na época tentava sem sucesso cultivar células de tecido humano que não morressem rapidamente. No laboratório de Gey, as células de Henrrieta se multiplicaram em ritmo assustador, sem parar, sendo chamadas posteriormente de “imortais”. Empolgado, o cientista acabou compartilhando amostras com colegas de diversas partes do mundo. Conseqüentemente, as Hella cels foram utilizadas nas mais diversas pesquisas: tratamentos para o câncer, vacinas, AIDS, mapeamento genético...
O livro
Foi em uma aula de biologia que Rebecca Skloot ouviu falar pela primeira vez das cálulas HeLa. A partir disso as famosas células continuaram fazendo parte de sua vida na faculdade e a história por traz delas se tornando uma obsessão para Rebecca. Assim, a apaixonada por divulgação científica, decidiu contar a história das células HeLa e da mulher que deu origem a elas.
Tanto a história das células quanto a da pesquisa do livro são verdadeiras sagas. Skloot mescla em sua narrativa a trajetória de Henrrieta e sua família com a das células na ciência e o processo de construção de sua obra. Seguindo a cronologia dos fatos Rebecca apresenta Henrrieta e sua vida simples, de trabalho duro, pouco dinheiro. E a personalidade doce e positiva da mulher que adorava cuidar das pessoas e de ser mãe.
No entanto, a alma do livro é sua filha caçula, Deborah Lacks. Que emociona ao acompanhar o trabalho da autora na busca de conhecer melhor a mãe com quem quase não conviveu. É ela quem acaba guiando Rebecca em sua investigação e aproximando-a da família Lacks.
Com muita sensibilidade, Skloot se coloca como personagem da história e mostra a contraditória situação dos descendentes de Henrrieta, sem dinheiro parar pagar seus tratamentos de saúde. É difícil também não sentir um pouco de revolta e não se imaginar no lugar da família.
Rebecca também proporciona uma viagem agradável pela história do desenvolvimento científico no século XX. Escrever sobre ciência para o grande público já é um desafio. E a autora desenvolve os fatos e conceitos da ciência com grande habilidade, para o fácil entendimento, focando sempre em seu caráter ético. E é justamente a discussão sobre a ética, ou falta dela, nos testes com tecidos humanos que traz o questionamento central do livro. As células HeLa são o maior exemplo de que por traz da ciência existem histórias humanas, cheias de emoções e até injustiças.
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