(Texto de 2010)
“Eu não sou escritor”, Leôncio Benedito, 44, faz questão de deixar claro. “Apenas contei minha história”, ele completa ao me falar do livro que está prestes a lançar. “O menino da Dona Mariinha” foi o nome escolhido. Antes o título seria “O limpador de Túmulos”. Mas o menino que limpava túmulos era justamente o ajudante, leal companheiro, da Dona Mariinha.
“Eu não sou escritor”, Leôncio Benedito, 44, faz questão de deixar claro. “Apenas contei minha história”, ele completa ao me falar do livro que está prestes a lançar. “O menino da Dona Mariinha” foi o nome escolhido. Antes o título seria “O limpador de Túmulos”. Mas o menino que limpava túmulos era justamente o ajudante, leal companheiro, da Dona Mariinha.
A história do menino é a história da infância de Leôncio. O menino de Caconde, interior de São Paulo, nascido em uma família de agricultores, numerosa e muito humilde. Teve que começar a trabalhar e a oportunidade veio através de Dona Mariinha. Na memória do escritor, ela era uma dessas senhoras cheias de doçura, mas que enfrentam com paciência o duro trabalho de faxineira em diversos lugares. Juntos limpavam o cinema da cidade, o clube e os túmulos do cemitério.
Da convivência fúnebre com lápides, epitáfios, cruzes e anjos nasceu o amor pela vida, em muitos sentidos. Foi o impulso para que quando ainda adolescente, terminando o segundo grau escolar, decidisse estudar. Cursou biologia com a bolsa que conseguiu na faculdade da região, em São José do Rio Pardo, interior de São Paulo. “Sempre gostei muito de plantas”. Vida e morte das flores nos vasos que enfeitam os túmulos. Esse fascínio deu a ele mais de uma profissão. Faz questão de mostrar fotos dos jardins que construiu. A jardinagem foi por muito tempo mais do que o passatempo de hoje.
Mas o menino Leôncio nunca havia pensado em escrever um livro. Escrever nem era das suas atividades preferidas. Até que “Você já pensou em escrever um livro?”, de Sonia Belloto, chegou às suas mãos, cerca de sete anos atrás. O livro acendeu nele a vontade de escrever. É muito comum as pessoas quererem contar a história de suas vidas quando chegam à fase madura, mas
quando o questiono sobre o porquê de contar a história de sua vida assim tão cedo Leôncio me responde perguntando "mas por que tem que ser velho pra contar?".
Contar do fascínio de ver um bolo de aniversário pela primeira vez, apenas aos oito anos de idade. O menino, como ele mesmo se refere, não sabia o que era uma comemoração típica de aniversário com bolo e parabéns. O bolo tão bonito e tão saboroso, com todos os detalhes, assim como todas as descobertas do garoto que enquanto trabalhava conhecia o mundo foram escritos em forma de contos. Um para cada fase da vida.
Vida que está cravada em sua memória com força. Talvez seja justamente o fato das imagens do que passou estarem tão latentes em sua mente que explica o impulso inesperado de escrever. “Escrever é viver aquele momento” ele me diz. E foram quase sete anos escrevendo e reescrevendo.
Com o olhar de quem ainda é aquele menino me mostra o vídeo de uma antiga canção italiana, já dizendo que eu, tão nova, com certeza não a conhecia. As canções italianas dos filmes que passavam no pequeno cinema de Caconde. Enquanto limpava, Leôncio também desviava seu olhar para a tela com suas histórias românticas, heróis do velho oeste ou as trapalhadas de Mazzaropi.
O vídeo em preto e branco mostra o cantor italiano de óculos e jeito emocionado enquanto o olhar de Leôncio agora tem um brilho saudoso. O que você quer passar para as pessoas com o seu livro? Ele responde que apenas quer que os leitores valorizem a vida, “as pessoas reclamam muito e são muito ambiciosas”. Ele não parece ser de reclamar, foi uma criança que não esperava grandes coisas do futuro e não chorava de ter que trabalhar tanto.
Hoje é professor. Seus alunos são de escola particular, e em sua maioria não precisam trabalhar. Ele é um dos docentes mais queridos, até pelos mais preguiçosos da classe e a turma do fundão. Empolga-se explicando os mecanismos da genética e da evolução e principalmente quando o assunto é botânica. Quer levar os alunos para juntos das plantas, que toquem nas árvores. Entre uma informação e outra diversos exemplos são tirados de suas histórias. Os meninos e meninas acham graça quando ele fala dos vermes que teve na barriga, a doença típica de criança pobre do interior. Já o professor mais valioso de Leôncio foi Mariinha. A senhora sabia guiar a curiosidade do garoto. Como no dia em que teve de acalmar seu desespero ao encontrar papel ensangüentado quando limpava o banheiro feminino.
“O menino de Dona Mariinha” no fundo continua um menino. E, com certeza, ela nunca imaginou que seu pequeno ajudante um dia seria autor de um livro, ainda mais que personagem dele. Talvez seja pensando nisso que Leôncio compara sua grande ansiedade a sensação que ele, pai de uma adolescente, teve quando a criança nasceu. Escrever um livro e ver seu lançamento é como ter um filho. Seu sorriso ao falar da nova experiência é inevitável, suas palavras vão fácil na direção do assunto. Olha constantemente para a tela do computador, onde fez questão de me mostrar o livro quase pronto. Imagino a alegria de ter uma obra literária há poucos dias de lançamento. É quando Leôncio parece adivinhar esse meu pensamento e pergunta: “e você, já pensou em escrever um livro?”.
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